Os
sonhos são simples. Ver a bandeira do Brasil no espaço.
Ver “Made in Brasil”, escrito com “s”
mesmo, estampado em componentes brasileiros no espaço.
Ver experimentos nacionais a bordo da ISS. Começou em 1997.
A Agência Espacial Brasileira (AEB) assinou o contrato com
a NASA para a participação do Brasil na ISS. Tornou-se
assim a “Embaixadora do Brasil” perante o grupo mais
importante de países exportadores de tecnologia espacial.
No princípio da cooperação, eram seis partes
brasileiras. A primeira a ser entregue seria o “Express
Pallet”, uma plataforma para experimentos a ser instalada
no exterior da ISS. A EMBRAER foi a empresa escolhida pelo Instituto
de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável pelo gerenciamento
técnico do projeto para a construção das
partes verde-e-amarelas.
Obviamente, a AEB era a única responsável legal,
perante o consórcio internacional, por todas as decisões
administrativas e orçamentos do projeto, como ainda é,
até hoje.
Muita animação e motivação nos dois
primeiros anos. Afinal, era uma clara oportunidade para a projeção
das empresas brasileiras no cenário internacional. Além
disso, havia a certificação de qualidade de exportação
de alta tecnologia. Para a ciência, também seria
uma ótima oportunidade para a execução de
experimentos em microgravidade, a bordo da ISS. Nota de advertência:
certamente existia a necessidade de cientistas que tivessem coragem
de “fazer ciência”, usando o novo laboratório!
Por exemplo, do que valeriam os laboratórios da Fundação
Oswaldo Cruz, se nenhum cientista se aventurasse a “ser
cientista” e os utilizassem?
Na época, orçamento de U$120 milhões, muitas
pessoas trabalhando no projeto, seleção do primeiro
astronauta, ordem e progresso “de vento em popa”.
Pela programação inicial de montagem da ISS, a primeira
parte “made in Brasil” deveria estar pronta para vôo
em 2001. Atrasamos. A data de entrega passou para 2003. Em 2002
a AEB informou à NASA que estava desistindo de construir
as seis partes originais. A AEB falhou. O Brasil falhou. Nós
falhamos. Dúvidas quanto à seriedade do país
surgiram nos olhos preocupados dos representantes dos outros 15
países (Rússia, Japão, Canadá, França,
Alemanha, Itália, Suíça, Inglaterra, Suécia,
Dinamarca, Bélgica, Noruega, Holanda, Espanha e os Estados
Unidos) participantes durante as reuniões técnicas
semanais. Coçavam a cabeça, enquanto procuravam
soluções para os compromissos internacionais do
projeto, perante a ausência das partes brasileiras.
Situação complicada e perigosa para o futuro de
qualquer intenção do país em possuir empresas
exportadoras na área espacial. O nome da nossa indústria
descia a mesma ladeira.
A AEB reagiu ao cenário. Afinal, sendo ela a representante
do país na cooperação, uma falha do país
teria também a conseqüência imediata na imagem
de competência da instituição. Negociou com
a NASA. Ficamos no projeto, mas com uma contribuição
bem menor: 32 placas adaptadoras. O orçamento também
diminuiu e tornou-se um número na planilha: planejado US$10
milhões. O INPE, tirou o projeto do seu organograma. O
prédio de dois andares, destinado a abrigar o setor técnico
da participação do Brasil na ISS, virou “espaço”.
Se fosse a própria ISS, o programa no Brasil, , teria entrado
no “Survival Mode”, o modo operacional de sobrevivência
da espaçonave. Se estivesse no deserto, o projeto seria
como um animal moribundo. Ao seu redor, abutres circulavam a espera
de compartilhar a carniça da morte. Aguardavam inertes,
observando tudo com olhares críticos.
Mas o milagre aconteceu. O projeto sobreviveu. Restaram apenas,
uma pessoa responsável na AEB, três pessoas no INPE
(embora sem função definida no organograma), um
astronauta pronto para vôo na NASA, e um orçamento,
no papel, de US$8 milhões, constantemente “disputado”
para outros projetos. Em termos práticos de fabricação
de partes nacionais, nada. Seria necessário um procedimento
técnico-administrativa para a licitação,
qualificação das empresas e transferência
de tecnologia para a construção das partes pela
indústria nacional. Porém, dificuldades administrativas
impediam o processo, aumentavam o atraso de anos do país
na sua responsabilidade na cooperação e diminuíam
ainda mais a credibilidade internacional sobre a nossa capacidade
de realmente construir qualquer componente nacional.
O anjo veio na forma de SENAI-SP e FIESP. Reconheceram o problema,
avaliaram a competência, entraram na briga para defender
o nome do país.... Sem custo para os cofres públicos!
Prepararam instalações e pessoal para fabricar os
protótipos das partes brasileiras. Esses protótipos
iriam permitir a transmissão direta da tecnologia de produção
para as indústrias.
Ainda assim, o país pecou pela lentidão de aprovação
e tramitação de documentos do programa. O SENAI-SP
não pode começar efetivamente os protótipos
sem a documentação técnica necessária.
A participação do país foi reduzida ainda
mais pela NASA. Agora fabricamos apenas 15 placas adaptadoras.
Não há nenhuma confiança de que o país
conseguirá cumprir com a sua parte. Devido às mudanças
no cronograma de construção da ISS perante às
restrições dos vôos do ônibus espacial,
existe a necessidade atual de uma ação administrativa
urgente para iniciar a construção dos componentes.
A espera é agonizante para a NASA. Questionamentos.
A cada dia que passa, pressionada pelo cronograma, aumenta geometricamente
a possibilidade da NASA ser obrigada a contratar outras empresas
para a construção das placas, atualmente sob nossa
responsabilidade. Em outras palavras, “dispensar”
a AEB (o nosso país) do programa. Conseqüências
para o nome do Brasil? É só imaginar.
Na AEB, uma equipe formada por apenas três pessoas: Dr.
Raimundo Mussi, Dra. Martha Humman e Dra Loiva Calderon, luta
para manter o programa vivo. Aqui na NASA, uso da diplomacia brasileira
para contornar os atrasos. No INPE, proposta de substituir novamente
as partes de responsabilidade do Brasil na cooperação,
de placas adaptadoras para componentes de satélite da Agência
americana NOAA (National Oceanic&Atmospheric Administration).
A NASA não aceita a mudança.
** Estação Espacial Internacional
(ISS) - único laboratório espacial, construído
por um consórcio de 16 países (Rússia, Japão,
Canadá, França, Alemanha, Itália, Suíça,
Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Noruega,
Holanda, Espanha, Brasil e os Estados Unidos), tem um comprimento
total de 108 metros, seu volume interno equivale a 2 aviões
“Jumbos” e sua massa total é de 400 toneladas,
a espaçonave dá uma volta na Terra a cada 90 minutos
(28.000 km/h), permanecendo numa altitude média de 400
km.
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