O BRASIL NA ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL (ISS)**

Seremos Capazes?
Marcos Pontes
18/06/2006

Os sonhos são simples. Ver a bandeira do Brasil no espaço. Ver “Made in Brasil”, escrito com “s” mesmo, estampado em componentes brasileiros no espaço. Ver experimentos nacionais a bordo da ISS. Começou em 1997. A Agência Espacial Brasileira (AEB) assinou o contrato com a NASA para a participação do Brasil na ISS. Tornou-se assim a “Embaixadora do Brasil” perante o grupo mais importante de países exportadores de tecnologia espacial. No princípio da cooperação, eram seis partes brasileiras. A primeira a ser entregue seria o “Express Pallet”, uma plataforma para experimentos a ser instalada no exterior da ISS. A EMBRAER foi a empresa escolhida pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável pelo gerenciamento técnico do projeto para a construção das partes verde-e-amarelas.
Obviamente, a AEB era a única responsável legal, perante o consórcio internacional, por todas as decisões administrativas e orçamentos do projeto, como ainda é, até hoje.
Muita animação e motivação nos dois primeiros anos. Afinal, era uma clara oportunidade para a projeção das empresas brasileiras no cenário internacional. Além disso, havia a certificação de qualidade de exportação de alta tecnologia. Para a ciência, também seria uma ótima oportunidade para a execução de experimentos em microgravidade, a bordo da ISS. Nota de advertência: certamente existia a necessidade de cientistas que tivessem coragem de “fazer ciência”, usando o novo laboratório! Por exemplo, do que valeriam os laboratórios da Fundação Oswaldo Cruz, se nenhum cientista se aventurasse a “ser cientista” e os utilizassem?
Na época, orçamento de U$120 milhões, muitas pessoas trabalhando no projeto, seleção do primeiro astronauta, ordem e progresso “de vento em popa”. Pela programação inicial de montagem da ISS, a primeira parte “made in Brasil” deveria estar pronta para vôo em 2001. Atrasamos. A data de entrega passou para 2003. Em 2002 a AEB informou à NASA que estava desistindo de construir as seis partes originais. A AEB falhou. O Brasil falhou. Nós falhamos. Dúvidas quanto à seriedade do país surgiram nos olhos preocupados dos representantes dos outros 15 países (Rússia, Japão, Canadá, França, Alemanha, Itália, Suíça, Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Noruega, Holanda, Espanha e os Estados Unidos) participantes durante as reuniões técnicas semanais. Coçavam a cabeça, enquanto procuravam soluções para os compromissos internacionais do projeto, perante a ausência das partes brasileiras.
Situação complicada e perigosa para o futuro de qualquer intenção do país em possuir empresas exportadoras na área espacial. O nome da nossa indústria descia a mesma ladeira.
A AEB reagiu ao cenário. Afinal, sendo ela a representante do país na cooperação, uma falha do país teria também a conseqüência imediata na imagem de competência da instituição. Negociou com a NASA. Ficamos no projeto, mas com uma contribuição bem menor: 32 placas adaptadoras. O orçamento também diminuiu e tornou-se um número na planilha: planejado US$10 milhões. O INPE, tirou o projeto do seu organograma. O prédio de dois andares, destinado a abrigar o setor técnico da participação do Brasil na ISS, virou “espaço”. Se fosse a própria ISS, o programa no Brasil, , teria entrado no “Survival Mode”, o modo operacional de sobrevivência da espaçonave. Se estivesse no deserto, o projeto seria como um animal moribundo. Ao seu redor, abutres circulavam a espera de compartilhar a carniça da morte. Aguardavam inertes, observando tudo com olhares críticos.
Mas o milagre aconteceu. O projeto sobreviveu. Restaram apenas, uma pessoa responsável na AEB, três pessoas no INPE (embora sem função definida no organograma), um astronauta pronto para vôo na NASA, e um orçamento, no papel, de US$8 milhões, constantemente “disputado” para outros projetos. Em termos práticos de fabricação de partes nacionais, nada. Seria necessário um procedimento técnico-administrativa para a licitação, qualificação das empresas e transferência de tecnologia para a construção das partes pela indústria nacional. Porém, dificuldades administrativas impediam o processo, aumentavam o atraso de anos do país na sua responsabilidade na cooperação e diminuíam ainda mais a credibilidade internacional sobre a nossa capacidade de realmente construir qualquer componente nacional.
O anjo veio na forma de SENAI-SP e FIESP. Reconheceram o problema, avaliaram a competência, entraram na briga para defender o nome do país.... Sem custo para os cofres públicos! Prepararam instalações e pessoal para fabricar os protótipos das partes brasileiras. Esses protótipos iriam permitir a transmissão direta da tecnologia de produção para as indústrias.
Ainda assim, o país pecou pela lentidão de aprovação e tramitação de documentos do programa. O SENAI-SP não pode começar efetivamente os protótipos sem a documentação técnica necessária. A participação do país foi reduzida ainda mais pela NASA. Agora fabricamos apenas 15 placas adaptadoras. Não há nenhuma confiança de que o país conseguirá cumprir com a sua parte. Devido às mudanças no cronograma de construção da ISS perante às restrições dos vôos do ônibus espacial, existe a necessidade atual de uma ação administrativa urgente para iniciar a construção dos componentes. A espera é agonizante para a NASA. Questionamentos.
A cada dia que passa, pressionada pelo cronograma, aumenta geometricamente a possibilidade da NASA ser obrigada a contratar outras empresas para a construção das placas, atualmente sob nossa responsabilidade. Em outras palavras, “dispensar” a AEB (o nosso país) do programa. Conseqüências para o nome do Brasil? É só imaginar.
Na AEB, uma equipe formada por apenas três pessoas: Dr. Raimundo Mussi, Dra. Martha Humman e Dra Loiva Calderon, luta para manter o programa vivo. Aqui na NASA, uso da diplomacia brasileira para contornar os atrasos. No INPE, proposta de substituir novamente as partes de responsabilidade do Brasil na cooperação, de placas adaptadoras para componentes de satélite da Agência americana NOAA (National Oceanic&Atmospheric Administration). A NASA não aceita a mudança.


** Estação Espacial Internacional (ISS) - único laboratório espacial, construído por um consórcio de 16 países (Rússia, Japão, Canadá, França, Alemanha, Itália, Suíça, Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Noruega, Holanda, Espanha, Brasil e os Estados Unidos), tem um comprimento total de 108 metros, seu volume interno equivale a 2 aviões “Jumbos” e sua massa total é de 400 toneladas, a espaçonave dá uma volta na Terra a cada 90 minutos (28.000 km/h), permanecendo numa altitude média de 400 km.

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